Quando eu era criança, sempre ouvia os adultos dizerem que os verdadeiros amigos cabem nos dedos de uma mão. Mas, àquela altura, tais palavras me pareciam nada mais do que simples amargura. “Afinal, como confiar na palavra de gente que gosta de café?”
Na escola, considerei amigos todos os colegas da classe – especialmente aqueles com quem eu passava os recreios. E nas férias de verão, chamei de amiga cada criança que dividiu comigo um castelinho à beira do mar.
Nos primeiros aniversários, meus amigos mal cabiam em volta da mesa do bolo, e as fotografias tiradas com filmes de 36 poses precisavam ser divididas para que todos os rostos se enquadrassem em apenas um retrato.
Amigos por toda parte. Uma vida inocente e sem segredos.
O colegial chegou e, com ele, os dramas da adolescência. “Tome cuidado com quem você anda”, aconselhava minha mãe, que só comia salada à mesa do jantar. Eu, é claro, revirava os olhos, cheia da minha suposta sabedoria, enquanto censurava o provável mau humor que só poderia vir de alguém que vivia à base de alface.
Aos poucos, as amigas do recreio de outrora já não me viam mais. Jéssica, Bianca, Danielle, Stephanie, Heloísa, Nancy e Fernanda seguiram suas vidas, e daquela colega da praia eu nem sequer lembrava o nome.
Durante os novos intervalos (pois recreio, agora, era ‘“coisa de criança”), as cabines dos banheiros eram ocupadas por supostas melhores amigas que se dedicavam a criticar umas às outra pelas costas, entre passadas obsessivas de gloss labial e risadas maldosas. E enquanto os namoros e paqueras tornavam-se o centro de todos os mundos, as guerras de aparências e golpes de autoestima minavam quaisquer outras relações. Era preciso ser bonita para ser vista, e era preciso ser vista para existir...E aos poucos, essa lógica cruel disfarçada de imaturidade subvertia as relações e fragilizava as personalidades ainda em desenvolvimento. Minhas amigas, portanto, eram as que sobreviviam entre um período e outro. E entre uma cabine de banheiro e outra.
A faculdade passou como um borrão:
— Menina comprometida não vai a cervejadas.
— Balada sem mim? Só se for acompanhada.
— Estude bem! Estude mais. Tenha uma profissão.
— Hoje não vou sair. Não tenha tempo para distração.
Os estudos viraram uma verdadeira obsessão, assim como o relacionamento longo no qual eu me (des)encontrava. E por essas supostas verdades, renunciei a muitas prováveis experiências e alegrias que, hoje, me fariam mais imprudente e igualmente humana. A esta altura, 21 velas apagadas e, em volta da mesa do bolo, os últimos amigos que me enxergavam mesmo quando eu estava insegura acerca da visão de mim mesma.
Hoje, 28 velas de março já foram assopradas. O recreio acabou e o café quente e o alface (entre outras manias) já fazem parte do meu ritual – seja por costume, idade, herança ou vaidade.
E entre colapsos, cobranças e inseguranças,
Medos, intrigas, enganos.
Tempos, espaços, términos e recomeços,
A vida testou as minhas amizades assim como o fogo testa o ferro.
Algumas se desfizeram, como elos frágeis. Outras vêm e vão, mas não permanecem na minha corrente. Outras ainda foram grilhões dos quais me libertei. E diante de algumas poucas, quase sem perceber, eu ainda teimo em polir meus modos, medir minhas maneiras e escolher minhas palavras, como se pisasse em solo frágil.
Mas meus verdadeiros amigos moram dentro de mim e sabem que podem chegar quando quiserem,
Abrir a porta sem bater,
Sentar, se acomodar, dominar.
— Vem, pode entrar. Escolhe um canto no sofá e liga a TV.
— Liguei só pra dizer oi. Escutei aquela música e lembrei de você.
— Está de bobeira? Passo aí em uma hora. Não precisa arrumar a casa pra me receber.
É certo que amadurecer é nao ter tantas fofocas ou assuntos como na adolescencia. Mas as amizades se transformam no colo que vamos procurar quando o coração dói. Nos sorrisos satisfeitos ao ver o outro conquistar. Nos presentes com significados. Nos tornamos mais íntimos e menos impetuosos, mas nunca menos irmãs